O Partidão no Pará: 70 anos sem a massa
23/08/2010 -
14:09
O PCB não se transformou em partido de massa. O golpe vital contra o Partidão foi desferido pelo Governo Dutra, em 1947, menos de dois anos depois de sua legalização /ALMANAQUE DA COMUNICAÇÃO |
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
Editor do Jornal Pessoal
BELÉM,
Pará – Em 70 anos de existência no Pará, iniciada em 1931, dos quase 90
anos que acumula no Brasil, o Partido Comunista Brasileiro só elegeu um
parlamentar pela própria legenda. Foi o deputado estadual Henrique
Santiago, um motorneiro dos bondes da firma inglesa Pará Eletric, que
depois se tornaria sapateiro para sobreviver, ao ser demitido em função
de sua atividade política.
O
PCB conseguiu eleger mais alguns parlamentares por outras siglas e
ainda contou com simpatizantes bem postados no poder local. A maior
façanha do velho “partidão” poderia ter sido realizada através de Almir
José de Oliveira Gabriel, hoje com 78 anos, sem mandato e sem partido,
que foi secretário de saúde, prefeito biônico de Belém, senador,
candidato a vice-presidente da república (na chapa do paulista Mário
Covas, já falecido) e, por suas vezes, governador do Pará. Nenhum
comunista paraense ostenta currículo igual, sequer parecido, conforme se
verifica em Cabanos & Camaradas, livro de Alfredo Oliveira, lançado
no ano passado, em edição do autor.
Apesar
de suas 680 páginas, o livro não dá ao episódio a relevância que ele
tem como momento decisivo nos rumos que o PCB seguiria. Merecia maior
detalhamento, ainda mais porque o autor já escreveu uma paquidérmica
biografia do ex-governador (que, surpreendentemente, não cita na
bibliografia do mais recente dos seus livros, embora trate do tema).
A
trajetória do ex-governador exemplifica à perfeição a carreira de
alguns dos principais expoentes do célebre “partidão”. Almir era
militante e integrava a base de médicos. Foi recrutado em 1963 pelo
próprio Alfredo Oliveira, em grupamento integrado por quatro futuros
secretários estaduais de saúde: Wilson da Silveira, Ernani Mota, Nilo
Almeida e o próprio Almir.
Continuava
militante em 1974, quando dirigia o então Sanatório (depois Hospital)
Barros Barreto (“uma vez que a sua presença era fundamental para a
continuidade da cirurgia torácica”, por ele introduzida em Belém, depois
de curso que fez no Rio de Janeiro) e ao assumir a Secretaria de Saúde
do Estado, no segundo governo do coronel Alacid Nunes. Os militares
sabiam dessa filiação, mas, segundo Alfredo Oliveira, não o destituíram
do cargo por causa da sua competência. Já o partido, embora surpreendido
pelo convite, não fez objeção por se tratar de função técnica “e sem
compromisso político com o partido do governo”.
Mas
a trilha do futuro governador não foi retilínea. Ele dava sua
contribuição financeira mensal para os cofres do PCB, mas, ao ser
convidado pelo advogado Carlos Sampaio para “ajudar a dirigir o
Partido”, em 1965, “nem mesmo pensou na proposta, pois não poderia
aceitá-la diante do compromisso intransferível com a cirurgia torácica”,
justifica o parente. Além disso, iria passar os dois anos seguintes em
São Paulo, se qualificando em cirurgia cárdio-vascular. “Durante a
permanência em São Paulo perdeu o contato com o Partido, absorvido pelo
novo aprendizado cirúrgico”, diz Oliveira.
Alfredo Oliveira (d) entrega
um exemplar de "Cabanos & Camaradas" à direção da Biblioteca
Central da UFPA, em Belém /DIVULGAÇÃO
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PMDB daria muito mais
Em
1979, depois de ter sido diretor da Divisão Nacional de Tuberculose,
durante o governo do general Ernesto Geisel, ao voltar ao Pará, em plena
época da anistia, para assumir a secretaria de saúde, “retomou os
contatos com o Partido, através de Raimundo Jinkings e Ruy Barata”. Mas
quando deixou a prefeitura de Belém, em 1985, para se tornar senador,
patrocinado por Jader Barbalho, filiou-se ao PMDB, “optando por encerrar
sua ligação com o PCB, que reconquistara a legalidade após tantos anos
de vida clandestina”, relata Alfredo. Sem assinalar o aparente paradoxo,
que só se explicaria pelo projeto de poder de Almir Gabriel: o PMDB de
Jader lhe daria o que o PCB não podia lhe proporcionar. E ele queria
muito mais.
Apesar
disso, os comunistas decidiram apoiar a candidatura do ex-filiado ao
Senado, embora seus votos também ajudassem a eleger Jarbas Passarinho,
igualmente apoiado por Jader para a outra vaga que estava em disputa em
1986 para a chamada Câmara Alta. “Resultado: ambos foram eleitos”,
admite Alfredo, sem deixar de reconhecer que se tratou de mais um
paradoxo nas estratégias de aliança do “partidão”.
Quando
nomeado pelo governador Jader Barbalho prefeito de Belém, em 1983,
substituindo Sahid Xerfan, Almir recorreu a correligionários do PCB. O
mais atuante foi o sociólogo Mariano Klautau de Araújo, que criou e pôs
para funcionar diversas comunidades de bairro, transformadas a seguir em
núcleos políticos por sua importância na periferia da capital. Ainda
aproveitou outros comunistas em seu primeiro governo, mas em posições
secundárias. Os personagens principais passaram a ser outras figuras,
como Paulo Chaves Fernandes, Simão Jatene e Sérgio Leão.
Se
ainda era um simpatizante do PCB, a prática de Almir já não guardava
qualquer conexão com a filosofia do comunismo, exceto pelo centralismo
democrático dos leninistas, sempre muito mais central do que
democrático. Como governador, passou a ser (ou tentou ser) mais um
coronel da política paraense. Foi se desligando cada vez mais de
qualquer programa para se ater às pessoas, procurando aquelas que
serviam aos seus interesses e desligando-se das que não serviam mais ou
que se apresentaram na contramão do seu caminho para o poder.
O
procedimento de Almir Gabriel se assemelha ao de muitos outros
comunistas, que deram prioridade à qualificação profissional (a partir
desse momento a maioria se desfiliou, sem renegar, contudo, a crença
original, embora atuando em atividades ou de uma forma pouco coerente
com o passado). Raros acharam possível conciliar a atividade
profissional (que a alguns enriqueceu) com a ideologia e a atuação
política.
A influência do PCB, após tantos anos de presença, foi pequena e o balanço da sua participação, modesto, apesar da quantidade de páginas que Alfredo Oliveira dedicou à sua história (repetindo demais informações e dando atenção a fatos absolutamente secundários, acaba desestimulando a leitura do seu importante volume). O PCB não se transformou em partido de massa.
A influência do PCB, após tantos anos de presença, foi pequena e o balanço da sua participação, modesto, apesar da quantidade de páginas que Alfredo Oliveira dedicou à sua história (repetindo demais informações e dando atenção a fatos absolutamente secundários, acaba desestimulando a leitura do seu importante volume). O PCB não se transformou em partido de massa.
Prestes declarou que o PCB
estava no governo com João Goulart, "só faltava chegar ao poder": uma
arenga irreal e soberba /ALMANAQUE DA COMUNICAÇÃO
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“Partidão com Jango”
Seu
mais intenso trabalho foi junto a intelectuais e membros do governo.
Não por outro motivo, no plano nacional, Luiz Carlos Prestes declarou
que o partidão estava no governo com João Goulart, só faltava chegar ao
poder, numa arenga irreal e soberba, que causou problemas
superlativamente artificiais à esquerda no momento da repressão pelo
regime militar de 1964, como de regra, aliás, na biografia do desastrado
“cavaleiro da esperança”. O PCB criou uma ilusão de força e de
representatividade, e acreditou que ela era verdadeira. A cada momento
de testá-la, defrontou-se com a realidade, frustrou-se e encolheu.
Não
que lhe tenham faltado glórias e acertos. Os comunistas tiveram
invariavelmente que enfrentar o preconceito, a má vontade ou o ódio dos
adversários, até mesmo dos que não se lhe opunham abertamente, mas foram
incapazes de consolidar uma democracia autêntica no Brasil, que
resistisse aos desafios sem sair atrás da espada guardada nos quartéis
ou das manobras miseravelmente jurídicas. A ilegalidade a que os
comunistas foram reduzidos na maior parte da sua história é causa tanto
da sua pouca expressão na vida política nacional como do seu encanto, o
fascínio que exerceram sobre milhões de brasileiros ao longo do tempo.
O
golpe vital foi desferido contra o PCB em 1947, menos de dois anos
depois da sua legalização, no auge da guerra fria, pelo governo Dutra
(condestável da ditadura do Estado Novo, foi o primeiro presidente da
redemocratização, antecipando anomalia que seria vivida, 40 anos depois,
por José Sarney, ao fim da ditadura militar), com a participação
decisiva dos bacharéis da UDN, civis em eternas manobras golpistas
(“vivandeiras dos quartéis”, como se dizia).
O
PCB podia ter iniciado nessa época caminhada no rumo da sua
democratização interna e da oxigenação política nacional, à semelhança
do que ocorreria com seu congênere italiano no pós-guerra. Tinha uma
bancada federal expressiva (com um senador, Prestes, e 14 deputados
federais) e conseguira façanhas localizadas, como a de eleger 18 dos 50
vereadores da Câmara do Distrito Federal, que era ainda o Rio de
Janeiro.
Apesar
do registro que o TSE lhe conferiu e da diplomação que concedeu aos
seus eleitos, o PCB foi declarado ilegal através de uma lei com efeito
retroativo, bem semelhante na mecânica (embora completamente distinta
nos propósitos) da lei da ficha limpa atual. Os maquiavélicos de
algibeira deviam meditar a respeito. Quando se abre exceção para o uso
de meios ilegais, em proveito de fins legítimos, não se está violando a
ordem democrática e continuando a encher de boas intenções o caminho do
inferno?
Alfredo Oliveira não aprofunda nesse sentido o episódio, mas seu livro, até onde um militante pode ser imparcial, aborda as questões que seria preciso suscitar numa história do Partido Comunista Brasileiro no Pará, O livro conquistaria maior público se tivesse metade das páginas, que podiam ser suprimidas sem prejudicar o conteúdo. Ainda assim, merece ser lido: passa a ser fonte de referência indispensável sobre a história republicana do Estado. Ainda que se chegue a uma conclusão diferente – ou oposta – à do autor.
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