domingo, 10 de maio de 2015

Dia das Mães em 64




(...)E mais do que tudo isso, sabes que continuo tranqüilo, aguardando serenamente o pronunciamento da justiça do meu País. A vida é isso mesmo. A história não segue uma linha reta. Ela é feita de avanços e recuos. A minha profunda fé nos destinos da Pátria conduziu-nos a essa separação momentânea. Nunca aceitei a tese de que tudo no Brasil estava perdido. Que a época era do salve-se quem puder. Quis dar a minha contribuição. Não fiquei indiferente às grandes lutas do povo. Não poderei, portanto, por um simples incidente na vida, descrer do futuro glorioso de minha Pátria. Reexamino todas as minhas posições e não encontro razões ponderáveis para renegá-las. Continuo o mesmo homem, com o mesmo sentimento patriótico. Sei que outro não é o teu pensamento, pois os teus princípios cristãos, que sempre respeitei e admirei, são bem diferentes dos "daquela gente que nos olha de cima para baixo, vai à missa ou se ajoelha nos templos, veste a opa nas procissões ou beija as mãos dos Ministros do Senhor, brilha nas devoções ou priva com o clero. Pessoas que enchem de fel a vida do próximo, acusam de iniqüidades os pequenos, e espremem até o sangue o coração dos seus semelhantes,” Esse tipo de cristãos que Ruy Barbosa brilhantemente retratou é o que, infelizmente, ainda atua no Brasil de forma cínica e descarada. Os jornais diariamente refletem o caráter desse tipo de gente. (trecho de carta de Jinkings no dia das mães para Isa, enviada da prisão)

Eis a íntegra:

Isa, minha querida,

Somente eu posso avaliar, em todas as proporções, o teu desejo, o teu empenho e, sobretudo, a tua grande preocupação em saber as minhas primeiras notícias. Sei que muito andaste. Creio que imploraste desesperadamente. Mas o teu esforço, a tua dedicação de esposa e mãe carinhosa e a tua sempre solidariedade humana foram recompensados. Sabes onde estou. Sabes que estou vivo. E mais do que tudo isso, sabes que continuo tranqüilo, aguardando serenamente o pronunciamento da justiça do meu País. A vida é isso mesmo. A história não segue uma linha reta. Ela é feita de avanços e recuos. A minha profunda fé nos destinos da Pátria conduziu-nos a essa separação momentânea. Nunca aceitei a tese de que tudo no Brasil estava perdido. Que a época era do salve-se quem puder. Quis dar a minha contribuição. Não fiquei indiferente às grandes lutas do povo. Não poderei, portanto, por um simples incidente na vida, descrer do futuro glorioso de minha Pátria. Reexamino todas as minhas posições e não encontro razões ponderáveis para renegá-las. Continuo o mesmo homem, com o mesmo sentimento patriótico. Sei que outro não é o teu pensamento, pois os teus princípios cristãos, que sempre respeitei e admirei, são bem diferentes dos "daquela gente que nos olha de cima para baixo, vai à missa ou se ajoelha nos templos, veste a opa nas procissões ou beija as mãos dos Ministros do Senhor, brilha nas devoções ou priva com o clero. Pessoas que enchem de fel a vida do próximo, acusam de iniqüidades os pequenos, e espremem até o sangue o coração dos seus semelhantes,” Esse tipo de cristãos que Ruy Barbosa brilhantemente retratou é o que, infelizmente, ainda atua no Brasil de forma cínica e descarada. Os jornais diariamente refletem o caráter desse tipo de gente.
Pois bem, querida Isa, sem que algum dia ou minuto sequer eu tenha fugido de minhas responsabilidades  junto a nossa família, sou obrigado a reconhecer que hoje tens dupla responsabilidade. Junto aos nossos queridinhos filhos respondes por mim e por ti. Sei bem que estás moral e intelectualmente à altura de assumi-la, quanto a isso não tenho a menor dúvida, não me preocupo. Temo, porém, que devido ao esforço despendido, a fadiga a que estás sendo levada, venhas a adoecer. Aí, então seria um desastre. Nessas condições, podes dedicar todos os dias da semana exclusivamente aos nossos filhinhos, deixando para mim apenas um. Contento-me com isso, meu bem, em benefício de tua saúde e do conforto das crianças. Semanalmente preciso apenas de um pijama, algumas  cuecas e uma toalha, de vez que passo os dias inteiros de pijama. Não há condições para viver de outra forma. Quanto a jornais do Rio, dou preferência ao Correio da Manhã, cuja posição está maravilhosa. Na sua falta, a Última Hora.
Já li todo o livro que mandaste. Escolheste o livro apropriado para a época, o melhor e mais importante. Verifico agora a falta que estão fazendo um Ruy e um Mangabeira1. O Ruy foi um monstro na luta pelas liberdades contra a opressão dos potentados. Acertaste, portanto, em cheio, dando uma inequívoca prova de tua inteligência.
Amanhã cedo, quando acordares, lembra que a minha falta em casa é involuntária. Mas desde hoje recebe os beijos que tanto mereces como mãe e esposa, pela data. Simbolizas o que de mais puro existe entre as mães. Abraça por mim também a dona Laura e a Helena. Todos, enfim.

Beijos e muitos abraços do teu marido saudoso Antônio. 
       
O Dia das Mães foi tão emocionante, ainda mais porque logo cedo os meus lindos filhinhos vieram me entregar um vaso lindo, comprado com o dinheiro que o seu papai, (que extrema delicadeza!) tinha dado à Nise pra comprar o presente do dia das mães, isso no dia 29 de abril, quando saía pra se apresentar e assinar o ponto no Basa, sabendo que de lá iria para a prisão...
Isa

1- João Mangabeira foi Presidente Nacional do PSB.


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