sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Uma Certa Galinha Assada, por Alvaro Jinkings


Ainda não me adaptei a internet, confesso-me um analfabeto completo, um preguiçoso talvez um “tecnófobo”!

Quando eu vi o blog do meu pai Raimundo Jinkings me veio muita história, talvez 40 anos em 1 minuto e tudo muito rápido, quase instantâneo. E somem. É como se eu fosse obrigado a fugir destes pensamentos; pra não sofrer, certamente. É o nosso incrível instinto de defesa e de sobrevivência.

Vou tentar me desbloquear, e viajar alguns momentos da minha grande e educativa convivência com “Mi Viejo”. Acho que pouquíssimas vezes me lembro dele me dizer:
- Faz assim! ou
- Não faz assim !

Ele me ensinava de outra forma, ele dava exemplo toda hora. Prestando atenção nos mínimos detalhes, eu aprenderia muito pro resto da minha vida. Eu me orgulho muito de ser filho dele: A humildade, a garra, a sabedoria, o equilíbrio, a obstinação e a determinação em lutar! Ele, pelos menos favorecido, pelos excluídos, não tinha apego ao dinheiro e nem ao poder. Inteligentíssimo, um verdadeiro autodidata, presenciei discussões homéricas dele com juizes, advogados, políticos, sindicalistas, estudantes, etc. Qualquer assunto ele dominava, menos futebol! Onde eu dava um show nele.

Nas poucas vezes em que eu não lhe entendi recorri à mamãe, a pessoa que mais o conhecia. Ela o interpretava com ternura e compreensão!

Lembro que apesar das inúmeras provocações e discriminações, nunca deixei de amar e entender “Mi viejo” como o maior de todos, o mais patriota, o mais coerente ( a cada dia que passa mais o valorizo ou seja quanto mais vivo, quanto mais conheço o mundo, mais o valorizo, e mais eu tento imitá-lo).

Hoje conto pro Yago, meu caçula as histórias do Vovô Jinkings que infelizmente ele não conheceu. Mayra e Yuri conviveram com ele por quase 10 anos, não o ideal, nem o necessário, mas o possível!

Aconteceu um fato quando eu ainda era criança que sempre me vem a cabeça. É um momento de absoluta covardia, e a mamãe me pediu para eu relatar aqui: Papai acabara de passar mais ou menos 90 dias preso na 5ª Cia de Guardas e nós (eu e mamãe) fomos até lá para trazê-lo para casa, onde meus irmãos nos aguardavam. Saíamos nós três, ele no meio de mãos dadas com mamãe e apoiando a mão no meu ombro, não chegamos a caminhar 100m quando parou um jipe do exército do nosso lado e perguntou: - Sr. Raimundo Jinkings? - Sim! Papai respondeu. – Queira me acompanhar por favor ! – Temos uma ordem de prisão! Ele, inabalável! Beijou a mamãe, me sorriu e entrou no jipe. Mamãe desabou! Era a tortura psicológica, a sacanagem, a covardia! Era a ditadura na sua face mais cruel, foram mais uns 15 dias no 26º BC [1], quando finalmente nós pudemos comer a “galinha assada” pra comemorar sua liberdade. Desta vez fomos todos buscá-los num táxi grande, um aerowillis. Talvez a mamãe pensasse em trazê-lo “na marra”, caso aparecesse outro jipe.

Depois eu conto a do porco, ou melhor: o Yago vai contar a do porco, viu vó!

ÁLVARO JINKINGS

[1] 26º Batalhão de Cavalaria
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terça-feira, 12 de agosto de 2008

Raimundo Antônio Da Costa Jinkings

Livreiro do Ano 1994. Cerimônia da entrega do título, promovida pela Câmara Brasileira do Livro - CBL.

Raimundo Antônio da Costa Jinkings nasceu no que era na época um pequeno povoado, Turimirim, distrito do município de Santa Helena, banhado pelo rio Turiaçú, no Maranhão. Teve infância pobre, trabalhou desde menino, exercitou diversos ofícios enquanto aprendia, com o pai, as primeiras letras. Mal entrava na adolescência quando, na sua avidez de saber, em meio aos pertences de seu pai, descobriu o livro do filósofo alemão Schopenhauer, “As dores do mundo”. (Estranho e inexplicável: através de que meios teria ido parar Schopenhauer naquele cantinho do mundo?)

Aquela leitura foi o prenuncio de uma vida que, toda ela, seria dedicada a lutar exatamente contra as dores do mundo, contra a injustiça, pela liberdade. Sua paixão pela liberdade o conduziu ao Socialismo. E seu coração o prendeu, aos 21 anos, a uma menina de 15, uma linda história de amor que sobreviveu a todos os golpes que a vida lhes desferiu (tantos!) durante 46 anos de absoluta cumplicidade.

Os cinco filhos que esse amor gerou cresceram felizes e formaram suas famílias.

E a grande família, hoje acrescida de quinze netos e três bisnetos, guarda um troféu que é seu tesouro: a grandeza e a dignidade que herdou com o nome, JINKINGS, sua história, seu exemplo.

Sobrevivendo às prisões e à perseguição sem tréguas, quando lhe tiraram tudo, até os direitos políticos, recomeçou do nada e, com a companheira Isa e os cinco filhinhos (Nise, Leila, Antonio, Álvaro e Ivana), em 1965 plantou a primeira semente da Livraria Jinkings, e bem a seu modo, continuou semeando a cultura e a esperança, lutando serena e corajosamente contra as dores do mundo...

Naqueles terríveis momentos, Jinkings e sua mulher também receberam a força da solidariedade, sem fronteiras, de suas famílias, de seus amigos, até mesmo dos que se encontravam fisicamente distantes.

Esse bravo, esse extraordinário guerreiro que foi vencendo, uma a uma, tantas batalhas, foi abatido pela última delas.

E então, num pedacinho de terra, ele próprio se tornou SEMENTE...

Isa

(Este texto foi postado no sítio da Livraria Jinkings. A autoria é de Isa Jinkings)

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