sábado, 18 de agosto de 2007

Arrojo e Ideologia

Raimundo Jinkings: arrojo e ideologiaPor Cláudio de La Roque Leal em O Liberal de 02 de março de 1994

Com mais de 25 anos na pro­fissão de livreiro, Raimundo Jin­kings não chegou a ser surpreen­dido quando lhe foi outorgado, e é fato inédito um livreiro do Nor­te receber, o prêmio "O Livreiro Nacional do Ano", em dezembro passado. Na realidade, a livraria Jinkings é símbolo de resistência. Primeiro, porque em um país on­de os estabelecimentos comerciais não são estáveis, manter uma li­vraria é tarefa para poucos, ainda mais em se tratando do Brasil, que não tem tradição de leitura. Depois, quando o Brasil atraves­sava o período negro da ditadura militar, Jinkings sobreviveu com a livraria Monteiro Lobato, ven­dendo, inclusive, material que o governo considerava subversivo, o que gerou prisão e depoimentos na Polícia Federal, junto com seu amigo e sócio, Sandoval Barbosa.
A têmpera de Jinkings é a grande merecedora deste prêmio. A livraria começou com um simples cômodo da casa onde mora­vam, após a cassação de Jinkings e a perda do emprego no Banco da Amazônia. Antes da livraria, quando da cassação, a família foi mobilizada e começou a vender doces na feira da Batista Cam­pos. Jinkings jamais desanimou e se hoje a livraria Jinkings é uma das maiores do norte-nordeste brasileiro, é devido a essa tenaci­dade. Esta o levou a ser represen­tante das grandes editoras nacio­nais, bem como a colocar em Be­lém, obras que dificilmente che­gavam. A maioria das livrarias existentes há 20 anos, apostavam nos livros didáticos.
A livraria é reflexo da ideo­logia de vida e trabalho de Jin­kings. Existe para fomentar a venda de livros e transformar uma simples livraria em um mun­do à parte. O tempo encarregou-se de ir adequando a militância política à vida atual. Raimundo Jinkings não abre mão de suas convicções, nascidas, aliás da leitura das obras de Victor Hugo, quando o sentido da revolta foi nascendo. Jinkings acredita em uma reforma diferente, uma re­forma plena e honesta.

"Quando não se investe em livros, a cultura é atingida direta­mente pela crise. Ao contrário do que ocorria anteriormente, as noite de autógrafos são vazias se não bem divulgadas. A mídia não era tão determinante. Todo mundo sabia o que ia ocorrer". Jinkings lembra do período quando os debates realizavam-se com freqüência e as livrarias fica­vam cheias de pessoas nos lança­mentos e as conversas iam ma­drugada inteira com troca de in­formações. Ali reciclava-se as in­formações. As mordaças da dita­dura militar só faziam com que os versos, as palavras ditas em surdina, traduzissem toda a re­pressão de um período negro na história do Brasil. Àquela altura passamos fome, mas tínhamos uma luta maior, um silêncio a ser quebrado. Verdades a serem proferidas.

Hoje, ,essas verdades foram sendo esquecidas através de pac­tos e mais pactos e as opiniões di­vergem em favor de paixões ver­dadeiramente indignas. Por paixões dignas, a Jinkings busca a interiorização. "Assim como trazemos grandes nomes da nossa literatura a Belém, promovendo debate e noite de autógrafos, queremos levar nossos escritores para o interior do Estado, fomen­tando o gosto pela leitura, dando condições a pessoas que têm pou­ca oportunidade de vivenciar essa mágica fantástica que é ler e des­cobrir o mundo através da leitura"

Jinkings quer que 94 seja o ano da leitura e só vê uma saída para isso, 'fomentar e aquecer a economia brasileira, dando con­dições dos livros chegarem às prateleiras, muito mais baratos do que vêm chegando. "Precisamos de novos empregos, maior poder aquisitivo, e nova política cultural. Para melhorar o mercado do livro, para dar condições de mais leitores, precisamos me­lhorar o nível de vida do brasilei­ro". Uma novela atualmente, mostra uma personagem que bus­ca crescer através do conhecimen­to, através da leitura. Esse com­portamento, esse valor, anda meio esquecido.

Com o prêmio que lhe foi outorgado pela Associação Nacional do Livro, Raimundo Jinkings crê que o reconhecimento faz alguma diferença. Simples, não acredita em grandes mudan­ças, mas crê que isso lhe dá con­dições de vivenciar melhor essas experiências fantásticas. Uma das quais, talvez a melhor, é, ao fim de um dia de trabalho, andar na livraria, ver as pessoas compran­do e ir conversando com um, com outro, discutindo os problemas nacionais, analisando soluções, rindo de piadas. E fica a persis­tência que enfrentou a ditadura, as crises com coragem e muita força de vontade. Persistência digna de um poema de Brecht. Aquele que fala dos imprescindí­veis.

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