domingo, 19 de agosto de 2007

Edgar Augusto no Entre Letras

Conheci Raimundo Jinkings quando seu PCB já estava legalizado.
Antes, porém, já o sabia um pouco diferente dos outros.
Afinal, ainda criança, e detentor das mais distorcidas informações possíveis, tinha-o como o estranho homem que assumia, condenado pela sociedade burguesa e conservadora, ser comunista.

Olhando suas fotos pelas paredes toda vez que era preso por reuniões clandestinas do Partidão, ficava pensando:

"ele não tem cara de quem come criancinhas".

Um comunista, para mim, há tempos passados, representava tudo aquilo que perturbaria a paz da sociedade, que a viraria de cabeça para baixo, na idéia de repartir todos os bens que cada indivíduo conseguisse para si com trabalho honesto.

Mas Jinkings não tinha um semblante de malvado ...

E era um antigo colega de meu pai no Banco Amazônia. Colega de meu pai não podia representar tanta coisa negativa, pensava.

Mas naquela época, quem comprava livros com ele poderia se comprometer. Estaria sob suspeita de adesão à sua ideologia.

Uma coisa realmente complicada ..

O tempo, contudo, desfez minhas impressões. Cresci, cultivei boas amizades e, pouco, principalmente pelos idos de 69 e 70. já lia sobre o Marxismo.

A fantasia do homem estranho, diferente dos outros, acabou se rasgando com pano velho.

Afinal, o Jinkings pensava há muitos e muitos anos exatamente como eu passaria a pensar daquela época para frente.

O Rui Barata ajudou prá burro nisso. Vesti a camisa do Partidão, gravei seu primeiro programa de TV, depois da legalização. E votei no Roberto Freire para presidente.

Nas reuniões que tínhamos, lá estava ele, ex-estranho homem, já de cabeça branca, sério, sisudo, de poucas palavras, mas de cumprimentos carinhosos. Nunca nos sentamos juntos para prosear.

Não precisava acontecer isto para manter minha admiração por ele.
O Jinkings, para mim, é uma figura importante, pela firmeza, pela verdade, pela coerência. E, sobretudo, pela coragem que mostrou nos momentos mais difíceis pelos quais sua crença passou.

Uma crença que no Pará manteve o PC vivo, a despeito das duvidosas propostas de modernidade política do PPS (um filho indesejado) e que o conduziram a uma espécie de verdadeiro guardião dos verdadeiros alicerces da doutrina socialista.

Hoje, repetindo a história, ele deve ter voltado a ser, para muita gente,
aquele homem estranho ­aquele que está na contramão dos acontecimentos.

Mas isso é típico de quem nasceu para ser, o tempo todo, questionado.
E Jinkings acaba se misturando com a história política do Pará.


Edgar Augusto Proença

Belém, 1994
Prefácio do Livro
Entre Letras e Baionetas – A trajetória de Raimundo Jinkings,
de Jocelyn Brasil

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