quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Depoimento de Odilardo Barbosa

Caríssimos!
Parabenizo-os pela inovação, criatividade, compromisso como o saber/fazer na área fundamental para a expressão da liberdade/dignidade da pessoa humana e seu ambiente: o livro e a manifestação cultural!... Muito belo com o iniciar-se dos pequerruchos! O "velho", permitam-me o tratamento (é solene e deslumbrado) não é lição, mas semente, sim, que ressurge em cada um que, de alguma forma, sente a livraria e faz dela um eterno caminhar, prazeroso e combativo. Sua história representa, sim, "aquele que é indispensável", da cantiga heróica de Brecht. O conheci, altivo, numa das celas contígua na qual eu me encontrava com outros companheiros, principalmente os históricos, do quartel do Batalhão de Selva aqui de Macapá, nos idos negros do Médici. Eu era estudante e me iniciava no radiojornalismo da Diocese, focada na teologia da libertação. Depois conheci a Fortaleza de Macapá e o Forte do Castelo. Ali mesmo, ele transparecia o combatente lúcido e generoso. Fico grato e entusiasmado com a correspondência de vocês, mais uma vez parabéns e aguardo segurar o relacionamento. Breve falarei sobre um projeto biblioteca - BIBLIOL, que estamos montando para socializar o acervo de nossa pequena biblioteca pessoal, a partir de atividades sócio-culturais.
Muito grato.

Odilardo Lima
E-mail recebido em 02/junho/2002.

Depoimento de Ricardo Antunes

Um Nome Para o Viaduto

Concordamos plenamente com o que tem sido veiculado pela imprensa. O nome do Marighella é de repercussão nacional e por isso merecedor de muitas e justas homenagens. Do mesmo modo, é importante que também outros representantes das lutas sociais sejam lembrados pelo exemplo que deram como militantes revolucionários e por isso também merecedores de justas homenagens. Por isso apoiamos o nome de Raimundo Jinkings, que tão bem representa a luta dos revolucionarios do Pará, particularmente por sua trajetória de luta por justiça social, pela cultura do Pará, construindo um pólo de resistência cultural, de esquerda, apesar de toda a perseguição a sua livraria sofreu.

Por isso nos somamos a ideia de homenagear este combativo paraense, que ainda não recebeu o merecido reconhecimento na cidade.


Domingo, 25 de Junho de 2000
Ricardo Antunes

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Luta pela Reforma Agrária









Foto de Isa Jinkings. Junho/87


Nesse dia, um domingo, os deputados federais que faziam parte da subcomissão de Política Agrícola e Agrária da Constituinte iriam fazer uma audiência pública em Paragominas, área de conflito, com os trabalhadores rurais para colher contribuições - e não chegaram lá porque o avião da FAB em que viajavam não conseguiu pousar, por falta de estrutura do aeroporto. As alternativas seriam Imperatriz, no Maranhão, muito longe; ou os campos de pouso dos fazendeiros, mas a audiência era com os trabalhadores. E os deputados desistiriam.

Tinha havido uma enorme mobilização. Paragominas fervilhava de gente. Para lá haviam se deslocado camponeses de varias regiões. Em cima da hora, chegou o telegrama dos deputados. Então, aproveitando a mobilização, se fez um ato público (o da foto) e em seguida uma passeata.
Raimundo Jinkings havia sido convidado, e ele e o deputado João Batista lideraram o evento.


Isa Jinkings

Cartas da Prisão

Isa, minha querida,

Somente eu posso avaliar, em todas as proporções, o teu desejo, o teu empenho e, sobretudo, a tua grande preocupação em saber as minhas primeiras notícias. Sei que muito andaste. Creio que imploraste desesperadamente. Mas o teu esforço, a tua dedicação de esposa e mãe carinhosa e a tua sempre solidariedade humana foram recompensados. Sabes onde estou. Sabes que estou vivo. E mais do que tudo isso, sabes que continuo tranqüilo, aguardando serenamente o pronunciamento da justiça do meu País. A vida é isso mesmo. A história não segue uma linha reta. Ela é feita de avanços e recuos. A minha profunda fé nos destinos da Pátria conduziu-nos a essa separação momentânea. Nunca aceitei a tese de que tudo no Brasil estava perdido. Que a época era do salve-se quem puder. Quis dar a minha contribuição. Não fiquei indiferente às grandes lutas do povo. Não poderei, portanto, por um simples incidente na vida, descrer do futuro glorioso de minha Pátria. Reexamino todas as minhas posições e não encontro razões ponderáveis para renegá-las. Continuo o mesmo homem, com o mesmo sentimento patriótico. Sei que outro não é o teu pensamento, pois os teus princípios cristãos, que sempre respeitei e admirei, são bem diferentes dos "daquela gente que nos olha de cima para baixo, vai à missa ou se ajoelha nos templos, veste a opa nas procissões ou beija as mãos dos Ministros do Senhor, brilha nas devoções ou priva com o clero. Pessoas que enchem de fel a vida do próximo, acusam de iniqüidades os pequenos, e espremem até o sangue o coração dos seus semelhantes,” Esse tipo de cristãos que Ruy Barbosa brilhantemente retratou é o que, infelizmente, ainda atua no Brasil de forma cínica e descarada. Os jornais diariamente refletem o caráter desse tipo de gente.
Pois bem, querida Isa, sem que algum dia ou minuto sequer eu tenha fugido de minhas responsabilidades junto a nossa família, sou obrigado a reconhecer que hoje tens dupla responsabilidade. Junto aos nossos queridinhos filhos respondes por mim e por ti. Sei bem que estás moral e intelectualmente à altura de assumi-la, quanto a isso não tenho a menor dúvida, não me preocupo. Temo, porém, que devido ao esforço despendido, a fadiga a que estás sendo levada, venhas a adoecer. Aí, então seria um desastre. Nessas condições, podes dedicar todos os dias da semana exclusivamente aos nossos filhinhos, deixando para mim apenas um. Contento-me com isso, meu bem, em benefício de tua saúde e do conforto das crianças. Semanalmente preciso apenas de um pijama, algumas cuecas e uma toalha, de vez que passo os dias inteiros de pijama. Não há condições para viver de outra forma. Quanto a jornais do Rio, dou preferência ao Correio da Manhã, cuja posição está maravilhosa. Na sua falta, a Última Hora.
Já li todo o livro que mandaste. Escolheste o livro apropriado para a época, o melhor e mais importante. Verifico agora a falta que estão fazendo um Ruy e um Mangabeira*. O Ruy foi um monstro na luta pelas liberdades contra a opressão dos potentados. Acertaste, portanto, em cheio, dando uma inequívoca prova de tua inteligência.
Amanhã cedo, quando acordares, lembra que a minha falta em casa é involuntária. Mas desde hoje recebe os beijos que tanto mereces como mãe e esposa, pela data. Simbolizas o que de mais puro existe entre as mães. Abraça por mim também a dona Laura e a Helena. Todos, enfim.
Beijos e muitos abraços do teu marido saudoso
Antônio.

O Dia das Mães foi tão emocionante, ainda mais porque logo cedo os meus lindos filhinhos vieram me entregar um vaso lindo, comprado com o dinheiro que o seu papai, (que extrema delicadeza!) tinha dado à Nise pra comprar o presente do dia das mães, isso no dia 29 de abril, quando saía pra se apresentar e assinar o ponto no Basa, sabendo que de lá iria para a prisão...
Isa

(*) João Mangabeira foi Presidente Nacional do PSB.

domingo, 19 de agosto de 2007

NÃO MORRERÁS

Não morrerás em mim. Não morrerás
assim como uma sombra na distância
o vento no horizonte e, nas manhãs,
a alegria mais pura que inventamos.
Serás presente em tudo e viverás
o segredo de todos os momentos.
Todas as coisas gritarão teu nome
e o silêncio mais puro, o mais sutil,
aquele que mais dói e acende as noites
e o ser profundamente intranquiliza
-este restituirá o movimento,
a eternidade viva de teus passos
e a certeza mais limpa de que nunca
tu morrerás em mim.
NÃO MORRERÁS.
(Sonetos do azul sem tempo)
1964/1978.
poesia de Gilberto Mendonça Teles

Edgar Augusto no Entre Letras

Conheci Raimundo Jinkings quando seu PCB já estava legalizado.
Antes, porém, já o sabia um pouco diferente dos outros.
Afinal, ainda criança, e detentor das mais distorcidas informações possíveis, tinha-o como o estranho homem que assumia, condenado pela sociedade burguesa e conservadora, ser comunista.

Olhando suas fotos pelas paredes toda vez que era preso por reuniões clandestinas do Partidão, ficava pensando:

"ele não tem cara de quem come criancinhas".

Um comunista, para mim, há tempos passados, representava tudo aquilo que perturbaria a paz da sociedade, que a viraria de cabeça para baixo, na idéia de repartir todos os bens que cada indivíduo conseguisse para si com trabalho honesto.

Mas Jinkings não tinha um semblante de malvado ...

E era um antigo colega de meu pai no Banco Amazônia. Colega de meu pai não podia representar tanta coisa negativa, pensava.

Mas naquela época, quem comprava livros com ele poderia se comprometer. Estaria sob suspeita de adesão à sua ideologia.

Uma coisa realmente complicada ..

O tempo, contudo, desfez minhas impressões. Cresci, cultivei boas amizades e, pouco, principalmente pelos idos de 69 e 70. já lia sobre o Marxismo.

A fantasia do homem estranho, diferente dos outros, acabou se rasgando com pano velho.

Afinal, o Jinkings pensava há muitos e muitos anos exatamente como eu passaria a pensar daquela época para frente.

O Rui Barata ajudou prá burro nisso. Vesti a camisa do Partidão, gravei seu primeiro programa de TV, depois da legalização. E votei no Roberto Freire para presidente.

Nas reuniões que tínhamos, lá estava ele, ex-estranho homem, já de cabeça branca, sério, sisudo, de poucas palavras, mas de cumprimentos carinhosos. Nunca nos sentamos juntos para prosear.

Não precisava acontecer isto para manter minha admiração por ele.
O Jinkings, para mim, é uma figura importante, pela firmeza, pela verdade, pela coerência. E, sobretudo, pela coragem que mostrou nos momentos mais difíceis pelos quais sua crença passou.

Uma crença que no Pará manteve o PC vivo, a despeito das duvidosas propostas de modernidade política do PPS (um filho indesejado) e que o conduziram a uma espécie de verdadeiro guardião dos verdadeiros alicerces da doutrina socialista.

Hoje, repetindo a história, ele deve ter voltado a ser, para muita gente,
aquele homem estranho ­aquele que está na contramão dos acontecimentos.

Mas isso é típico de quem nasceu para ser, o tempo todo, questionado.
E Jinkings acaba se misturando com a história política do Pará.


Edgar Augusto Proença

Belém, 1994
Prefácio do Livro
Entre Letras e Baionetas – A trajetória de Raimundo Jinkings,
de Jocelyn Brasil

Os mitológicos Jinkings

O negócio é o seguinte: a primeira vez que ouvi falar da saga dos Jinkings durante a Ditadura foi em 66 ou 67, entre sete e oito anos. Soube entreouvindo involuntariamente as conversas dos mais velhos, na sala de casa, na Alcindo Cacela. Sempre falavam dos militantes comunistas e sindicais, especialmente de pessoas como Jinkings, Pereira, Barata, Alfredo Oliveira etc. que de vez em quando estavam presos. Rotina daqueles tempos. Foi a primeira vez que escutei a palavra "greve" e logo associada a "Jinkings". Junto com "bancários" e os anos de 1961/62/63. Soube naquele instante que os Jinkings, para sobreviver, estavam vendendo livros e iguarias. Como mais tarde Rolland Barthes frisou, saber e sabor vêm da mesma acepção de apreciar. Por isso, intuitivamente para um menino daquela idade, a junção de livros e iguarias parecia coerente. Estou falando que sempre vi coerência nas atitudes do Velho Jinkings.

Mais tarde, meu pai falava que era melhor comprar livros com ele por várias razões: ele conhecia sempre o livro que a gente queria ou precisava. Depois, era um camarada e esse tipo de solidariedade entre irmãos de idéias, ideologia ou fé sempre é mais forte e mais sólido do que os laços familiares. Meu pai era um homem internacionalista, mas depois falo dele. Com pouca idade, eu ia da Alcindo Cacela até a pequena livraria, apertadinha e sempre abarrotada de livros. Comprei com ele livros que me abriam a cabeça. Comprei por exemplo os livros clandestinos/proibidos de Marx, Engels, da MIR, da Progresso e os que sobraram da Brasiliense sobre Marxismo. Comprei por exemplo, um da Codecri (do Pasquim), Poemas de Angola, de Agostinho Neto. Mas aí, meninas, eu já era taludinho. Eu estava militando, escondido de minha mãe, que era frouxa nessas questões de ativismo.

De vez em quando eu conseguia um tempo para conversar com R. A. Jinkings sobre política, economia, história. Com o mesmo fascínio com que eu escutava um sapateiro perto de casa falar sobre imperialismo, história antiga e moderna, filosofia e sociologia. Juro pras irmãs: aprendi com um bancário-jornalista (Jinkings) e um sapateiro a ver a história da humanidade com a visão diferente daquela que a ditadura pasteurizava nas escolas. Sempre eu vi nele, Jinkings, uma certa aura de heroísmo, de mito, de coragem. A admiração do menino de então só cresceu. Mesmo após quase oito anos do passamento dele, tenho isso como lição. Eu vi Jinkings trabalhar pelo partido, pelas mudanças, pela redemocratização, pela cultura, pela igualdade, pelo socialismo. Vi praticamente toda a Esquerda paraense - em todas as suas vertentes, acertadas ou distorcidas – dever uma certa formação e informação ou trabalho, ou abertura de idéias ou participação e ação a R.A. Jinkings. Eu o vi se decepcionar com os que buscaram outros caminhos. Eu o vi ser traído. Eu o vi ser acusado de coisas estúpidas como a de ser o dono do PCB no Pará. Logo ele... Logo ele que, se algum mal fez, foi contra ele mesmo, auto-sacrificando-se por um sonho. Vi pessoas com ressentimento e inveja referirem-se a ele com o objetivo de detratá-lo. A péssima inveja. Mas também vi muitas pessoas se referirem a ele com respeito e justiça. Creiam, e podem contar isso a seus filhos, sobrinhos e netos, ele honrou seu tempo. Fez a história e dela participou. E impossível falar sobre esquerda e cultura, sindicalismo e socialismo no Pará sem que se mencione o nome Jinkings.

Tenho quase 44 anos. Há dez estou fora do Pará. Não faço culto à personalidade e às vezes sacaneio com meus mitos, como faço piadas sobre Che Guevara. Não me considero com débito à família Jinkings a não ser o saciamento de meu gosto por leitura e a alimentação de minha curiosidade intelectual. Neste aspecto eu lhes devo algo. Mas posso dizer com isenção que toda impressão sobre R.A. Jinkings é verdadeira, justa e salutar. Obrigado por me lerem.

Luiz Carlos Taveira (Luca)
E-mail de 29/abril/2003

RAIMUNDO LIVREIRO


RAIMUNDO LIVREIRO

Era seu nome: Raimundo.
Seu Partido, sua vida.
Sua coragem aguerrida
Marcou seu rumo no mundo.
Em seus passos na cidade,
Rubro, o suor ensinado,
Coerência e humanidade
Foice e martelo empunhados
Partilhando a liberdade.
Belém do Pará, saudosa,
Trouxe à tua casa, a Poesia
Revestindo a livraria
Com uma luz preciosa
Que tua alma talentosa
Com clareza, construiu.
Teus cabelos prateados,
glorioso camarada
Ornam a foto emoldurada
Lembrando os sons soletrados
Do coração com teu povo,
Com tuas gentes, Raimundo.
Não trago nada de novo:
Velho carinho bem fundo
E um punhado de sins
No poema sem festins.

Jinkings, Raimundo, livreiro,
Acendi o candeeiro
A teu nome, companheiro
E assino a data: janeiro
Início de calendário,
Véspera de aniversário
De Belém, como convém.
Muitos devem muito a ti
À tua luta madura
À derradeira ternura
Forjando da noite escura
A certeza que se aclara
E que o verbo escancara.

Vivos, erguemos a voz
Trazendo a garganta aberta
E a memória bem desperta
Nesta ciranda veloz
Nesta ciranda de paz
Nesta ciranda que faz
Nesta ciranda que traz
A liberdade até nós.


Aline de Mello Brandão
( Belém do Grão Pará, onze de janeiro do ano dois mil e sete, dezoito horas. Crepúsculo)

sábado, 18 de agosto de 2007

Ziraldo conta episódio

Cartunista perdido entre comunistas em Belém

Ziraldo lança seu novo trabalho na Bienal e lembra de antiga viagem à cidade das mangueiras


DC - Que lembranças você tem de Belém?


Ziraldo - Um dia eu estava jantando em Belém. E chegou o Jinkings, dono de uma livraria e ferrenho comunista: - Ziraldo o pessoal está te esperando. E eu: — Opa! Que pessoal? — Achei que era para ir para uma boate, dançar, tomar umas, essas coisas. Que nada! Era para ir para um jantar, onde só tinha comunista. Acho que a célula do partido comunista de Belém inteirinha estava presente. Uma gente maravilhosa, mas todo mundo pensava que eu era comunista. E um deles se levantou solene e disse: — Companheiro... — e eu: — Pera aí, gente! Sou só massa de manobra. [risos]. Adoro Belém.



O Liberal, 13 de maio de 2002, Caderno Cartaz
Denis Cavalcante - Especial para o Cartaz

Arrojo e Ideologia

Raimundo Jinkings: arrojo e ideologiaPor Cláudio de La Roque Leal em O Liberal de 02 de março de 1994

Com mais de 25 anos na pro­fissão de livreiro, Raimundo Jin­kings não chegou a ser surpreen­dido quando lhe foi outorgado, e é fato inédito um livreiro do Nor­te receber, o prêmio "O Livreiro Nacional do Ano", em dezembro passado. Na realidade, a livraria Jinkings é símbolo de resistência. Primeiro, porque em um país on­de os estabelecimentos comerciais não são estáveis, manter uma li­vraria é tarefa para poucos, ainda mais em se tratando do Brasil, que não tem tradição de leitura. Depois, quando o Brasil atraves­sava o período negro da ditadura militar, Jinkings sobreviveu com a livraria Monteiro Lobato, ven­dendo, inclusive, material que o governo considerava subversivo, o que gerou prisão e depoimentos na Polícia Federal, junto com seu amigo e sócio, Sandoval Barbosa.
A têmpera de Jinkings é a grande merecedora deste prêmio. A livraria começou com um simples cômodo da casa onde mora­vam, após a cassação de Jinkings e a perda do emprego no Banco da Amazônia. Antes da livraria, quando da cassação, a família foi mobilizada e começou a vender doces na feira da Batista Cam­pos. Jinkings jamais desanimou e se hoje a livraria Jinkings é uma das maiores do norte-nordeste brasileiro, é devido a essa tenaci­dade. Esta o levou a ser represen­tante das grandes editoras nacio­nais, bem como a colocar em Be­lém, obras que dificilmente che­gavam. A maioria das livrarias existentes há 20 anos, apostavam nos livros didáticos.
A livraria é reflexo da ideo­logia de vida e trabalho de Jin­kings. Existe para fomentar a venda de livros e transformar uma simples livraria em um mun­do à parte. O tempo encarregou-se de ir adequando a militância política à vida atual. Raimundo Jinkings não abre mão de suas convicções, nascidas, aliás da leitura das obras de Victor Hugo, quando o sentido da revolta foi nascendo. Jinkings acredita em uma reforma diferente, uma re­forma plena e honesta.

"Quando não se investe em livros, a cultura é atingida direta­mente pela crise. Ao contrário do que ocorria anteriormente, as noite de autógrafos são vazias se não bem divulgadas. A mídia não era tão determinante. Todo mundo sabia o que ia ocorrer". Jinkings lembra do período quando os debates realizavam-se com freqüência e as livrarias fica­vam cheias de pessoas nos lança­mentos e as conversas iam ma­drugada inteira com troca de in­formações. Ali reciclava-se as in­formações. As mordaças da dita­dura militar só faziam com que os versos, as palavras ditas em surdina, traduzissem toda a re­pressão de um período negro na história do Brasil. Àquela altura passamos fome, mas tínhamos uma luta maior, um silêncio a ser quebrado. Verdades a serem proferidas.

Hoje, ,essas verdades foram sendo esquecidas através de pac­tos e mais pactos e as opiniões di­vergem em favor de paixões ver­dadeiramente indignas. Por paixões dignas, a Jinkings busca a interiorização. "Assim como trazemos grandes nomes da nossa literatura a Belém, promovendo debate e noite de autógrafos, queremos levar nossos escritores para o interior do Estado, fomen­tando o gosto pela leitura, dando condições a pessoas que têm pou­ca oportunidade de vivenciar essa mágica fantástica que é ler e des­cobrir o mundo através da leitura"

Jinkings quer que 94 seja o ano da leitura e só vê uma saída para isso, 'fomentar e aquecer a economia brasileira, dando con­dições dos livros chegarem às prateleiras, muito mais baratos do que vêm chegando. "Precisamos de novos empregos, maior poder aquisitivo, e nova política cultural. Para melhorar o mercado do livro, para dar condições de mais leitores, precisamos me­lhorar o nível de vida do brasilei­ro". Uma novela atualmente, mostra uma personagem que bus­ca crescer através do conhecimen­to, através da leitura. Esse com­portamento, esse valor, anda meio esquecido.

Com o prêmio que lhe foi outorgado pela Associação Nacional do Livro, Raimundo Jinkings crê que o reconhecimento faz alguma diferença. Simples, não acredita em grandes mudan­ças, mas crê que isso lhe dá con­dições de vivenciar melhor essas experiências fantásticas. Uma das quais, talvez a melhor, é, ao fim de um dia de trabalho, andar na livraria, ver as pessoas compran­do e ir conversando com um, com outro, discutindo os problemas nacionais, analisando soluções, rindo de piadas. E fica a persis­tência que enfrentou a ditadura, as crises com coragem e muita força de vontade. Persistência digna de um poema de Brecht. Aquele que fala dos imprescindí­veis.